Fachada do Palácio Lauro Sodré, após as obras de 1904. Foto: Livro Belém da Saudade |
Por: Benigna Soares – DPRT/Setur-Pará
Para Néstor Garcia Canclini, “nos discursos modernos, principalmente sobre a América latina, ainda está ausente a questão dos usos sociais do patrimônio histórico. Fosse competência exclusiva de restauradores, arqueólogos e museólogos: os especialistas do passado. Mas esse mesmo patrimônio pode servir de recurso para se garantir a cumplicidade social. Frente á magnificência de uma pirâmide maia ou inca, de palácios coloniais e cerâmicas indígenas de três séculos atrás ou outra obra de um pintor nacional reconhecido internacionalmente, não ocorre a quase ninguém pensar nas contradições que estes fatos expressam. A perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e torna-os fonte do consenso coletivo. (Canclini, 1997:171)
Portanto, ao analisarmos um pouco da historia dos museus, como parte de um patrimônio histórico e político, pode representar um grande passo para encontrarmos nossa identidade e entendermos um pouco do nosso “deficiente desenvolvimento cultural e peculiar inserção na modernidade ocidental” (Canclini, 1997:171)
Palácio Lauro Sodré, sede do MHEP, foi projetado pelo arquiteto Antonio Landi, para servir de sede e moradia a governadores do Pará. Foto: Agência Pará |
O palácio Lauro Sodré, chamado até hoje pela maioria das pessoas de “palácio do governo”, se enquadra perfeitamente nessa questão do uso social do patrimônio histórico e pode ser reflexo de antigas contradições históricas, sociais e culturais.
O prédio foi projetado e construído durante a “Era Pombalina” (3), pelo arquiteto italiano Antônio Landi. Uma das expressões máximas do absolutismo daquela época, o palácio foi inaugurado em 1772, pelo governador João Pereira Caldas e logo ficou conhecido como o “Palácio do Rei”, já que sua monumentalidade, naquela época em uma cidade com menos de 15 mil habitantes, levantava hipóteses de que deveria servir de residência para o próprio rei D. José I (4) e família real. Muitos cronistas, como Hércules Florence, no início do século XIX acreditavam e divulgavam que ainda durante o ministério de Pombal a família real mudaria para Belém.
Em 1759 o presidente do Grão Pará, Manoel de Mello e castro continuou a construção do palácio. Em seguida, 1767 foi a vez do general Fernando da Costa Athaide Teive, que pediu a Antônio Landi uma nova planta para ser o que ele chamava, durante uma carta enviada á corte, de “edifício bem arquitetado e suficientemente vasto, uma morada congruente á dignidade e decoro dos governadores e capitães generais” (C.Roque, 1997).
Em 1771 Landi concluiu as obras do Palácio Lauro Sodré em homenagem ao primeiro governador republicano, e um dos principais símbolos do absolutismo e da presença forte do Marquês de Pombal.
O Palácio Lauro Sodré, construído em 1777, é uma das obras do celebrado arquiteto italiano Antônio Land. Foto: Agência Pará |
(4) Reinou de 1750 a 1777.
Salão de Honra do Palácio Lauro Sodré. Foto: Livro Belém da Saudade |
Índios, negros, mulatos, enfim, o palácio Lauro Sodré expressa os esforços de elementos que representam uma forte hibridez, seja de raça, de estilos, ou de sentimentos.
Outros aspectos dessa hibridez está no projeto da arquitetura do palácio:
O arquiteto Antônio José Landi, que projetou o Lauro Sodré, nasceu em Bolonha, Itália. Veio para a Amazônia, para assumir o cargo de desenhado na Comissão Demarcadora de Limites (comandada por Mendonça Furtado). Seus estilos eram o neoclássico, que lembra a arte Greco – romana e o barroco, que traz formas volumosas e tortuosas típicas do século XVIII. Esses estilos, muito diferentes entre si, e esta é uma característica fundamental do conceito de hibridez, são marcas da arquitetura do palácio Lauro Sodré.
(5) Os três presidentes da Cabanagem foram Félix Antônio Clemente Malcher, Francisco Vinagre e Eduardo Angelim.
Durante o período republicano, o palácio não mais foi usado como residência dos governadores. E é na administração de Augusto Montenegro (1901 a 1909) que podemos destacar um grande momento do processo de hibridização do palácio. Montenegro realizou o que os historiadores chamam de “a grande reforma do palácio”: além de mudar o desenho original de Landi, essa reforma deu outra função ao palácio. Nessa época o prédio perde seus ares luso – italianos e ganhou um estilo eclético, ao gosto do tempo moderno. Alguns autores dizem que Montenegro afrancesou as linhas do Palácio, para enquadrá-lo ás exigências estéticas de sua época e atender aos seus próprios caprichos.
O interior do Palácio Lauro Sodré, que abriga o MHEP é uma atração para os visitantes. Foto: Agência Pará |
Para complementar esse aspecto, vale lembrar que na construção e nas reformas aplicadas ao Palácio Lauro Sodré, hoje Museu do Estado do Pará – MEP, em casa salão do pavilhão que serviu como residência dos governantes é possível observar o aspecto da “sociedade ditatorial” descrita pelo autor, já que cada pintura data da reforma autorizada por um dos governantes.
Entre os exemplos mais marcantes está o salão principal, dos governadores, onde foram afixadas, nas partes superiores de cada parede, as datas que lembram acontecimentos históricos marcantes e que são mais relevantes para o contexto histórico da época.
Atualmente, o Museu possui um acervo diversificado de pinturas, mobiliário, acessórios e fotografias de variados contextos. Foto: Agência Pará |
Um outro traço marcante do reflexo da sociedade ditatorial e que também expressa o processo de hibridez do espaço são pequenos símbolos com as siglas EP ( Estado do Pará) que fazem parte de toda a pintura principal do salão. Esse símbolo justifica Canclini quando ele afirma que “ celebra-se o patrimônio histórico constituído pelos acontecimentos fundadores, os heróis que os protagonizaram e os objetos fetichizados que os evocam, já que lugares históricos e praças, palácios e igrejas servem para representar o destino nacional, traçado desde a origem dos tempos” (Canclini, 1998: 173).
Eu diria, ainda que a hibridez cultural presente nos fragmentos históricos secularizados dentro dos museus pode ser exemplificada pelo seguinte fato:
“Em janeiro de 1988, no México, grupos de fanáticos católicos invadiram museus de artes para impedir a exibição de pinturas com o motivo da Virgem de Guadalupe, que alteravam a imagem ortodoxa. Eles pediram a expulsão do país do diretor do Museu de Arte Moderna e a reclusão psiquiátrica dos artistas que representavam a virgem com o rosto de Marilyn Monroe, Cristo com o de Pedro Infante e Luvas de boxeador (Canclini, 1997: 168).
“Em janeiro de 1988, no México, grupos de fanáticos católicos invadiram museus de artes para impedir a exibição de pinturas com o motivo da Virgem de Guadalupe, que alteravam a imagem ortodoxa. Eles pediram a expulsão do país do diretor do Museu de Arte Moderna e a reclusão psiquiátrica dos artistas que representavam a virgem com o rosto de Marilyn Monroe, Cristo com o de Pedro Infante e Luvas de boxeador (Canclini, 1997: 168).
Palácio Lauro Sodré, atual Museu Histórico do Estado do Pará Foto: MHEP |
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