segunda-feira, 1 de abril de 2013

O valor da identidade cultural na gastronomia paraense



Por *Solange Campos 

Degustar a autêntica culinária do Pará é também uma oportunidade para conectar-se à identidade cultural da região. Pratos típicos como o açaí, a maniçoba, o pato no tucupi e o filhote, que também são servidos em combinações inovadoras com ingredientes locais como o jambu, o arubé e a semente de cumaru, podem conduzir os paladares a uma saborosa imersão sensorial e imaginária.

Atravessar de barco, em 15 minutos, a cidade urbana de Belém para sentar à mesa na Ilha do Combú, apreciar o Rio Guamá e a vida ribeirinha que corre neste ambiente enquanto aguarda um filhote guarnecido no tucupi com jambu e acompanhado de farofa molhada é uma das experiências culturais gastronômicas do Pará.

Na pesquisa Gastronomia e Identidade Cultural Amazônica: Aspectos de um Potencial Produto Turístico da Cidade de Belém do Pará, realizada no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013, foram identificados 29 espaços gastronômicos que valorizam a identidade cultural na culinária em Belém, na Ilha do Combu e nos distritos de Icoaraci e Mosqueiro, que ficam na Região Metropolitana de Belém. Estes ambientes estão colocando o estado na rota do turismo gastronômico, conquistando paladares nacionais e internacionais.

Cada um dos 29 espaços gastronômicos reconhecidos como regionais por publicações e públicos entusiastas da culinária local tem sua estratégia para valorizar seus respectivos cardápios. As experiências oscilam entre o tradicional e o criativo inovador. De barracas, passando por lanchonetes, restaurantes tradicionais e de alta gastronomia, a culinária paraense é democrática e aberta à criatividade daqueles que empreendem com ousadia.

Na maioria dos ambientes (26) identificou-se a predominância dos peixes regionais nos cardápios em diversos preparos como na brasa, caldeirada, moqueca, frito, defumados, grelhados, empanados e complementados com outros aperitivos regionais como o caldo do tucupi, o pirão, a farinha de macaxeira, as folhas do guarumã e de bananeira, o arubé, o risoto de jambu e o molho de castanha-do-Pará.

Pratos típicos como a maniçoba, o tacacá e o pato no tucupi aparecem em recheios de salgados como bolinhos com massa de macaxeira e em pastéis ou são incorporados à cultura gastronômica de outros países como o Japão (sushi de pato) e a Itália (lasanha paraense). Nas lanchonetes, destaque para recheios regionais em iguarias globais como sanduíches e esfihas. Os primeiros ganham carnes temperadas com ervas da região, como o jambu e o tradicional molho arubé. As segundas ganham recheios de pato no tucupi ou pirarucu com jambu.

As sobremesas regionais também são servidas em misturas inovadoras como o pastel com recheio de doce de cupuaçu, o mousse de chocolate com esponja de cupuaçu, a torta quente de biscoito de castanha-do-pará com doce de cupuaçu e coberta com sorvete de tapioca e o chocolate da Ilha do Combú com purê de taperebá.

Histórico - A história da gastronomia mundial associada à identidade cultural foi o ponto de partida deste estudo. Por meio da trajetória histórica, identificou-se que os pratos típicos envolvem mais os apreciadores de uma boa mesa porque remetem a uma experiência mais genuína e, em alguns casos, também exótica, podendo aproximar sensorialmente o turista gastronômico do território visitado. “A degustação de uma iguaria típica pode constituir uma forma de consumo simbólico, de aproximação com a realidade visitada, tornando esta realidade também passível de uma ‘degustação’”. (GIMENES, 2006, p.4.).

O turismo culinário recebeu esta denominação apenas no final dos anos 90, apesar de já ser praticado anteriormente. Considerada como uma estratégia de motivação turística, a gastronomia é um elemento cultural que apoia a divulgação da tradição de uma localidade. Paralelamente aos roteiros específicos de turismo gastronômico, o estímulo a conhecer a culinária também está presente nos demais roteiros turísticos, pois, geralmente, visitantes tendem a experimentar os sabores das regiões visitadas.

No ano de 2011, o Ministério do Turismo do Brasil apresentou uma pesquisa envolvendo 39 mil turistas internacionais, realizada em 2010, pela Fundação Instituto Pesquisas Econômicas (FIPE). Nesse estudo, os turistas avaliaram diversas vertentes do destino como os serviços turísticos ofertados, em que foi revelado um alto grau de positividade em relação à experiência com a gastronomia brasileira, registrando 95% de aceitação.

Para atender esta demanda, são feitos investimentos em novas infraestruturas. Empreendedores do setor constroem hotéis e restaurantes com foco em tradições culinárias locais com destaque aos pratos típicos e ao fazer gastronômico. A proposta é que o turista experimente a hospitalidade da vida nas fazendas, nos vinhedos ou na comunidade local, onde o alimento é produzido, e que, ao degustar deliciosos pratos, ele também contemple músicas regionais num ambiente decorado tipicamente com os artesanatos da cidade visitada. “Turistas que procuram este segmento são motivados pelo prazer da alimentação e da viagem, tendo como seu diferencial a forma como são preparados os pratos e o seu significado cultural.” (SOUZA, 2010, p.21).

Estados brasileiros como a Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e o Pará investem, em maior ou menor escala, em peças de publicidade que associam as iguarias gastronômicas locais a selos turísticos para seus respectivos territórios. “[...] Atuam como veículo complementar da propaganda turística, criando no imaginário popular a associação entre os destinos turísticos e a boa mesa.” (BARRETO; SENRA, 2000, p.396).

A presença de elementos visuais que fazem referência a um dos alimentos mais populares do Pará, o açaí, como símbolo da cultura do estado em logomarca oficial da Companhia Paraense de Turismo (PARATUR) na promoção turística exemplifica a relevância da gastronomia para o turismo amazônico. Peças publicitárias específicas que ressaltam os ricos sabores paraenses também são distribuídas em estandes montados pela PARATUR em eventos no Brasil e exterior assim como o Guia de Bares e Restaurantes da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL) Seção Pará, onde estão os principais espaços gastronômicos formais do estado.

Influências - A gastronomia brasileira tem influências culinárias, principalmente dos povos africanos, indígenas e dos europeus. Os africanos contribuíram principalmente com o azeite de dendê; os índios com a mandioca; e os portugueses com o trigo. Estas referências somaram-se a experiências intercambiadas com outros países, que contribuíram para construir a diversidade da culinária do Brasil, que envolve preparos universais: crus, grelhados, cozidos, avinhados, apimentados, quentes, frios, refogados, empanados, caramelados, tostados, flambados, entre outros.

Lisboa e Simonian (2010) defendem que a originalidade da cozinha feita no Pará está na interface entre os elementos legado cultural e o saber fazer das comunidades autóctones. “A simplicidade no preparo dos alimentos, a combinação de sabores e textura, ainda inéditos ao público nacional e internacional, deram-lhe esse título.” (LISBOA; SIMONIAN, 2010, p.23). Segundo Lisboa e Simonian (2010), a peculiaridade das principais matérias-primas, geralmente colhidas de fontes naturais e o ritualístico preparo - inspirado em valores indígenas - misturam-se a novas experimentações técnicas, que têm influências externas intercambiadas com profissionais de outros estados e países. Deste intercâmbio surgem componentes novos, mudam-se texturas e misturam-se sabores, diversificando mais a gastronomia paraense. “Técnicas novas aliam-se às antigas para elaboração de pratos novos, os quais chegam rapidamente à outra região [...], ultrapassando barreiras territoriais e culturais.” (LISBOA; SIMONIAN, 2010, p.23).

Os resultados positivos da relação entre gastronomia e identidade cultural aparecem na ampla divulgação de veículos de comunicação do Brasil e do exterior, através das experiências dos chefs locais, repassadas por meio de intercâmbio em eventos, e dos relatos dos turistas e públicos internos conquistados pela culinária regional. Iniciativas locais de divulgação do setor em Belém como o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, o Concurso Veja Belém Comer & Beber e o Concurso Comida Di Buteco também fortalecem a imagem da gastronomia paraense mundo afora.

A concorrida procura de públicos internos e turistas por espaços gastronômicos regionais gera o crescimento econômico do setor, que, por conta disso, estimula a criação de novos empreendimentos que buscam este nicho de mercado. Dos sete empreendedores entrevistados na pesquisa Gastronomia e Identidade Cultural Amazônica: Aspectos de um Potencial Produto Turístico da Cidade de Belém do Pará, dois deles representavam negócios gastronômicos regionais criados há 1 ano.

Ser regional é apenas uma base do tripé para manter-se no turismo gastronômico que valoriza a cultura local: o relacionamento responsável com os profissionais da cadeia produtiva e com a comunidade local e a hospitalidade são fundamentais para garantir a excelência no setor. Apesar de ainda ocorrer entre a minoria dos empreendedores entrevistados, identifica-se um intercâmbio de experiências entre chefs e fornecedores em relação ao melhor preparo dos insumos bem como o repasse de conhecimento dos chefs para estes fornecedores garantirem um melhor padrão de qualidade no plantio, na colheita e na pesca.

A hospitalidade está na base da formação das comunidades, envolvendo compromissos que implicam, primeiramente, os grupos sociais dos destinos roteirizados e o seu bom relacionamento com os empreendedores do setor, que devem respeitar e inserir as características culturais locais no pacote turístico e apoiar o melhoramento da infraestrutura do destino, o que refletirá positivamente no atendimento dos anfitriões aos visitantes.

As experiências de roteiro gastronômico em Belém ainda são pontuais e intuitivas. Devem ser vencidos desafios como garantir a sustentabilidade dos produtos naturais que abastecem este mercado e a capacitação técnica para os profissionais da cadeia produtiva. Paralelamente, deve-se caminhar para um roteiro planejado e integrado, que envolva os empreendedores do setor, as comunidades locais e as agências de turismo receptivo na montagem de pacotes segmentados, direcionados aos viajantes que buscam o prazer de experimentar a peculiar culinária paraense.

* Jornalista, escreveu este artigo baseado na monografia: "Gastronomia e Identidade Cultural Amazônica: Aspectos de um Potencial Produto Turístico da Cidade de Belém do Pará" apresentada no dia 12 de março ao Programa de Formação Interdisciplinar de Meio Ambiente (PROFIMA) do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) da Universidade Federal do Pará (UFPA) para a obtenção do título de Especialista em Gestão Sustentável de Municípios.

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