segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O Palácio Lauro Sodré: Herança Colonial

Fachada do Palácio Lauro Sodré, após as obras de 1904.
Foto: Livro Belém da Saudade
Por: Benigna Soares – DPRT/Setur-Pará 

Para Néstor Garcia Canclini, “nos discursos modernos, principalmente sobre a América latina, ainda está ausente a questão dos usos sociais do patrimônio histórico. Fosse competência exclusiva de restauradores, arqueólogos e museólogos: os especialistas do passado. Mas esse mesmo patrimônio pode servir de recurso para se garantir a cumplicidade social. Frente á magnificência de uma pirâmide maia ou inca, de palácios coloniais e cerâmicas indígenas de três séculos atrás ou outra obra de um pintor nacional reconhecido internacionalmente, não ocorre a quase ninguém pensar nas contradições que estes fatos expressam. A perenidade desses bens leva a imaginar que seu valor é inquestionável e torna-os fonte do consenso coletivo. (Canclini, 1997:171)

Portanto, ao analisarmos um pouco da historia dos museus, como parte de um patrimônio histórico e político, pode representar um grande passo para encontrarmos nossa identidade e entendermos um pouco do nosso “deficiente desenvolvimento cultural e peculiar inserção na modernidade ocidental” (Canclini, 1997:171)

Palácio Lauro Sodré, sede do MHEP, foi projetado pelo arquiteto
Antonio Landi, para servir de sede e moradia a governadores do Pará.
Foto: Agência Pará
O palácio Lauro Sodré, chamado até hoje pela maioria das pessoas de “palácio do governo”, se enquadra perfeitamente nessa questão do uso social do patrimônio histórico e pode ser reflexo de antigas contradições históricas, sociais e culturais.

O prédio foi projetado e construído durante a “Era Pombalina” (3), pelo arquiteto italiano Antônio Landi. Uma das expressões máximas do absolutismo daquela época, o palácio foi inaugurado em 1772, pelo governador João Pereira Caldas e logo ficou conhecido como o “Palácio do Rei”, já que sua monumentalidade, naquela época em uma cidade com menos de 15 mil habitantes, levantava hipóteses de que deveria servir de residência para o próprio rei D. José I (4) e família real. Muitos cronistas, como Hércules Florence, no início do século XIX acreditavam e divulgavam que ainda durante o ministério de Pombal a família real mudaria para Belém.

Em 1759 o presidente do Grão Pará, Manoel de Mello e castro continuou a construção do palácio. Em seguida, 1767 foi a vez do general Fernando da Costa Athaide Teive, que pediu a Antônio Landi uma nova planta para ser o que ele chamava, durante uma carta enviada á corte, de “edifício bem arquitetado e suficientemente vasto, uma morada congruente á dignidade e decoro dos governadores e capitães generais” (C.Roque, 1997).

Em 1771 Landi concluiu as obras do Palácio Lauro Sodré em homenagem ao primeiro governador republicano, e um dos principais símbolos do absolutismo e da presença forte do Marquês de Pombal.

O Palácio Lauro Sodré, construído em 1777, é uma das obras
do celebrado arquiteto italiano Antônio Land.
Foto: Agência Pará
(3) O Marquês de Pombal (Sebastião de Carvalho e Melo) – Ministro dos Negócios Estrangeiros submeteu a Amazônia, por completo, á autoridade do re D. José I. Os religiosos foram expulsos, e o absolutismo ganhava fôlego com um corpo de leis (o Diretório). Nomeou o próprio irmão, dom Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, com sede transferida para Belém, em 1751. Foi nesse contexto histórico e político que Mendonça Furtado trouxe para cá o arquiteto italiano Antônio Landi (chamado o arquiteto do rei), que sob as ordens do Marquês de Pombal e, acima dele o rei D. José, projetou o palácio dos Governadores, hoje Lauro Sodré, e que expressa bem o absolutismo reinante naquela época.

(4) Reinou de 1750 a 1777.

O governador João Pereira Caldas, substituto de Athaide Teive foi o primeiro ocupante do Palácio, em 21 de novembro de 1771. A parti daí, todos os governantes, inclusive os três presidentes da Cabanagem (5) moraram e usaram o palácio como sede do governo. Esses aspectos históricos servem de base para se tentar localizar a hibridez no Lauro Sodré. Aqui, o processo de hibridização é histórico e esta nos fatos inerentes a própria construção do palácio.

Salão de Honra do Palácio Lauro Sodré.
Foto: Livro Belém da Saudade
Por mais de 220 anos foi sede do governo do Estado. Foi construído para abrigar e dar conforto á família real e ao próprio rei. Logo, é luxuoso e aconchegante mas nasce de uma grande contradição social: o trabalho escravo daqueles que levantaram, uma por uma, as estruturas físicas de concreto que o formatam.
Índios, negros, mulatos, enfim, o palácio Lauro Sodré expressa os esforços de elementos que representam uma forte hibridez, seja de raça, de estilos, ou de sentimentos.

Outros aspectos dessa hibridez está no projeto da arquitetura do palácio:
O arquiteto Antônio José Landi, que projetou o Lauro Sodré, nasceu em Bolonha, Itália. Veio para a Amazônia, para assumir o cargo de desenhado na Comissão Demarcadora de Limites (comandada por Mendonça Furtado). Seus estilos eram o neoclássico, que lembra a arte Greco – romana e o barroco, que traz formas volumosas e tortuosas típicas do século XVIII. Esses estilos, muito diferentes entre si, e esta é uma característica fundamental do conceito de hibridez, são marcas da arquitetura do palácio Lauro Sodré.

(5) Os três presidentes da Cabanagem foram Félix Antônio Clemente Malcher, Francisco Vinagre e Eduardo Angelim.

Durante o período republicano, o palácio não mais foi usado como residência dos governadores. E é na administração de Augusto Montenegro (1901 a 1909) que podemos destacar um grande momento do processo de hibridização do palácio. Montenegro realizou o que os historiadores chamam de “a grande reforma do palácio”: além de mudar o desenho original de Landi, essa reforma deu outra função ao palácio. Nessa época o prédio perde seus ares luso – italianos e ganhou um estilo eclético, ao gosto do tempo moderno. Alguns autores dizem que Montenegro afrancesou as linhas do Palácio, para enquadrá-lo ás exigências estéticas de sua época e atender aos seus próprios caprichos.

O interior do Palácio Lauro Sodré, que abriga o MHEP
é uma  atração para os visitantes.
Foto: Agência Pará
Estes fatores históricos sobre o palácio são bastante relevantes para podermos enquadrá-lo no que Canclini define como “sociedade ditatorial”, ou seja, governantes representantes de uma determinada sociedade que precisam deixar suas marcas, seja através de prédios monumentais, na construção de praças publicas, monumentos, datas comemorativas etc.

Para complementar esse aspecto, vale lembrar que na construção e nas reformas aplicadas ao Palácio Lauro Sodré, hoje Museu do Estado do Pará – MEP, em casa salão do pavilhão que serviu como residência dos governantes é possível observar o aspecto da “sociedade ditatorial” descrita pelo autor, já que cada pintura data da reforma autorizada por um dos governantes.

Entre os exemplos mais marcantes está o salão principal, dos governadores, onde foram afixadas, nas partes superiores de cada parede, as datas que lembram acontecimentos históricos marcantes e que são mais relevantes para o contexto histórico da época.

Atualmente, o Museu possui um acervo diversificado de pinturas,
mobiliário, acessórios e fotografias de variados contextos.
Foto: Agência Pará
Nesse salão, é possível se visualizar aspectos de um “palimpsesto” (cf. Barther et. Kristeva) porque as pinturas se sobrepõem. Só é possível detectar a hibridez nesse processo porque cada salão contém pequenos quadradinhos nas paredes, destacando cada pintura anterior. É como se esses quadrados da pintura exemplificasse a erosão lenta e gradual da história do prédio, dando lugar a novas formas de leitura do espaço.

Um outro traço marcante do reflexo da sociedade ditatorial e que também expressa o processo de hibridez do espaço são pequenos símbolos com as siglas EP ( Estado do Pará) que fazem parte de toda a pintura principal do salão. Esse símbolo justifica Canclini quando ele afirma que “ celebra-se o patrimônio histórico constituído pelos acontecimentos fundadores, os heróis que os protagonizaram e os objetos fetichizados que os evocam, já que lugares históricos e praças, palácios e igrejas servem para representar o destino nacional, traçado desde a origem dos tempos” (Canclini, 1998: 173).

Eu diria, ainda que a hibridez cultural presente nos fragmentos históricos secularizados dentro dos museus pode ser exemplificada pelo seguinte fato:
“Em janeiro de 1988, no México, grupos de fanáticos católicos invadiram museus de artes para impedir a exibição de pinturas com o motivo da Virgem de Guadalupe, que alteravam a imagem ortodoxa. Eles pediram a expulsão do país do diretor do Museu de Arte Moderna e a reclusão psiquiátrica dos artistas que representavam a virgem com o rosto de Marilyn Monroe, Cristo com o de Pedro Infante e Luvas de boxeador (Canclini, 1997: 168).

Palácio Lauro Sodré, atual Museu Histórico do Estado do Pará
Foto: MHEP
Canclini acredita que, na época, os fanáticos católicos desconheciam que as imagens canônicas são produto de convenções figurativas relativamente arbitrárias, como as inspiradas em rostos de amantes de religiosos, reis etc e que hoje são cultuadas mundialmente com significados hibridizados. Esse mesmo aspecto da hibridez pode ser relembrado com o comportamento do engenheiro florestal polonês Simajdor Jerzy, citado no tópico “Museu: espaço desterritorializado”, e que mostra bem esse sentimento de conhecimento da obra e do espaço mas que acaba resultando em uma interpretação individualizada do objeto e que muitas vezes não se assemelha ás impressões coletivas dos objetos. Em 31 de março de 1994, ultimo dia do governo de Jáder Barbalho como governador do Estado do Pará, ele autorizou a desativação do palácio e transferiu a sede do executivo para o prédio da Emater, na Rodovia Augusto Montenegro, e o palácio foi transformado no Museu Histórico do Estado do Pará – MHEP, iniciando-se ai, os primeiros contatos entre o publico e o palácio que, por mais de 220 anos foi sede do governo.

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